domingo, 5 de dezembro de 2010

Eça e os sinais de reverência

                                                                                

A maior parte dos portugueses limita-se a ter "conversas de corredor" sobre os autores portugueses no ensino secundário. Não há tempo para se aprofundarem questões, para considerar o escritor uma pessoa inteira e, como tal, nada semelhante a um único bloco coerente. Eça é um positivista, tenta-se retirar disso as provas mais do que batidas em Os Maias e ponto final.

A minha formação universitária é em literatura. Foi só num dos últimos anos do curso que me apresentaram os outros Eça. Aquele inicial, romântico, mais tarde reunido num volume com o cómico título de Prosas Bárbaras; o jornalista que, tendo à porta do prédio o paquete esperando a sua crónica para ser publicada no jornal e que, não tendo nem texto nem ideia do que iria escrever, resolveu arrasar o bei (governante) de Tunes, capital da Tunísia; o jovem viajante, escrevendo páginas emocionantes sobre a sua viagem ao Egipto; o homem religioso que no fim da sua vida escreve sobre a vida de santos.

Há dois momentos da sua vida que considero comoventes para nós enquanto leitores. Leitores sobretudo da personalidade de um escritor. O primeiro momento é descrito por Raul Brandão no seu livro Memórias, ocorrido na viagem que Eça faz ao Egipto acompanhado pelo seu futuro cunhado, o Conde de Resende. Ambos assistem à missa no túmulo de Jesus, em Jerusalém. Eça, profundamente emocionado pela situação, cai de joelhos em reverência. Quando o Conde de Resende levantou os olhos, dois ou três mil peregrinos tinham imitado aquele impulso emotivo, ajoelhando-se da mesma forma.

Outro episódio, mostrando o mesmo sentido de devoção profunda, é nos relatado pelo próprio Eça de Queirós, em In Memoriam, colectânea de textos publicada em 1896 em memória de Antero de Quental. O testemunho de Eça tem o título sugestivo de A um génio que era um santo. Descreve como, andando em Coimbra, ainda estudante, numa noite macia de Abril ou Maio avistou sobre as escadarias da Sé nova um homem, de pé, que falava. "O homem com effeito cantava o Ceu, o Infinito, os mundos que rolam carregados d´humanidades, a luz suprema habitada pela ideia pura(...)". Deslumbrado, o jovem Eça toca o cotovelo de um camarada que lhe murmura entre gosto e pasmo: "- É o Antero!..." Sentados nos degraus da igreja, outros homens embuçados, escutavam, em silêncio e enlevo "como discípulos". "Então, (...) destracei a capa, também me sentei n'um degrau, quasi aos pés de Anthero que improvisava, a escutar, n'um enlevo, como um discípulo. E para sempre me conservei assim na vida."


                                                                                    Alexandra Pinto Rebelo

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